Tão banal, não?
Falar o que se sente é considerado uma fraqueza. Ao sermos absolutamente sinceros, a vulnerabilidade instala-se. Perde-se o mistério que nos veste tão bem, ficamos nus. E nao é este tipo de nudez que nos atrai.
Se a verdade pode parecer perturbadora para quem fala, é extremamente libertadora para quem ouve. É como se uma mão gigantesca varresse num segundo todas as nossas dúvidas. Finalmente se sabe.
Mas sabe-se o quê? O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados.
Tão banal, não?
E no entanto esta banalidade é fomentadora das maiores carências, de traumas que nos aleijam, nos paralisam e nos afastam das pessoas que nos são mais queridas. Por que a dificuldade de dizer para alguém o quanto ele é - ou foi - importante? Dizer não como recurso de sedução, mas como um acto de generosidade, dizer sem esperar nada em troca. Dizer, simplesmente. A maioria das relações - entre amantes, entre pais e filhos, e mesmo entre amigos - ampara-se em mentiras parciais e verdades pela metade. Podem-se passar anos ao lado de alguém, dizer coisas inteligentíssimas, citando poemas, esbanjando presença de espírito, sem alcançar a delicadeza de uma declaração genuína e libertadora: dar ao outro uma certeza e, com a certeza, a liberdade. Parece que só conseguiremos manter as pessoas ao nosso lado se elas não souberem tudo. Ou, ao menos, se não souberem o essencial. E assim, através da manipulação, a relação passa a ficar doentia, inquieta, frágil. Em vez de uma vida a dois, passa-se a ter uma sobrevida a dois. Deixar o outro inseguro é uma maneira de prendê-lo a nós - e este "a nós" inspira um providencial duplo sentido. Mesmo que ele se tente libertar, estará amarrado aos pontos de interrogação que coleccionou. Somos sádicos e avaros ao economizar os nossos "eu perdoo-te", "eu compreendo-te", "eu aceito-te como és" e o nosso mais profundo "eu amo-te" - não o "eu amo-te" dito às pressas no final de uma ligação telefónica, por força do hábito, e sim o "eu amo-te" que significa: "sê feliz da maneira que tu escolheres, o meu sentimento permanecerá o mesmo".
Libertar uma pessoa pode levar menos de um minuto. Oprimi-la é trabalho para uma vida.
Mais que as mentiras, o silêncio é que é a verdadeira arma letal das relações humanas.
Martha Medeiros, Falar
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home